COLETA POSTERIOR DAS IDEIAS
PRÁTICAS DE ENCERRAMENTO DA UNIDADE TEMÁTICA - UM FLERTE COM A AVALIAÇÃO PARA PRODUÇÕES NARRATIVAS
A natureza intrínseca de nossa atividade docente demanda a verificação da aprendizagem de nossos estudantes. Enquanto professores, para construir o conhecimento histórico, precisamos ensinar as ferramentas e as metodologias básicas e os estudantes nos apresentarão, (ou construirão conosco) sua narrativa. Portanto, a verificação da aprendizagem de acordo com nossos objetivos, definidos para uma aula, uma sequência didática ou mesmo um período mais longo é essencial para o próprio desenvolvimento da formação dos estudantes. Assim, coletar as ideias posteriores dos estudantes é parte estrutural da aula-oficina, além de que podemos compreender esta fase de nossa proposta como uma avaliação de todo o nosso trabalho ao desenvolver com os estudantes nossa proposta.
Entretanto, tivemos algumas ressalvas para utilizar o termo “avaliação” visto que tradicionalmente ele é compreendido como “exame final” no qual se averigua qual a quantidade de conhecimento que o aluno memorizou e é capaz de reproduzir de maneira fidedigna. Com base nesta tradição, cotidianamente encontramos dificuldades no processo de ensino pois ou os estudantes aprendem apenas porque “vai cair na prova” e memorizam dados e exemplos utilizados em sala para contextualizar o processo ou o professor se vê amarrado a um sistema numérico que valoriza a contabilização de atividades, trabalhos e acertos no exame periódico para julgar a progressão ou a retenção do estudante na série do curso fundamental ou médio.
Com base na estrutura da aula-oficina compreendemos que nosso principal objetivo quando ensinamos história é que os estudantes desenvolvam competências narrativas historicamente significadas, ou seja, ao comparar as narrativas das ideias prévias com as narrativas das ideias posteriores, sejam evidentes as mudanças que indiquem a aprendizagem dos indicadores de compreensão trabalhados no período em questão.
Dessa forma, uma possibilidade interessante de trabalho é a aplicação da mesma proposta aplicada previamente. As mudanças conceituais serão diretamente expostas e possíveis de classificação pelo professor. Outra proposta seria a produção textual de narrativas com base em roteiro ou situação problema, a partir da qual o estudante pode desenvolver explicações ou narrações que abordem o tema e o período proposto.
Porém, essas produções narrativas podem ter inúmeros formatos. Tradicionalmente as produções escritas são sobrevalorizadas e, devido à sua utilização ao longo das décadas, se tornou naturalizada e menos trabalhosa para a correção. A ideia de produzir narrativas que serão válidas enquanto ferramenta para a vida cotidiana dos estudantes parte do princípio que diferentes plataformas devem ser desenvolvidas ao longo da vida escolar dos estudantes, daí a importância de desenvolver sim narrativas escritas, afinal esta habilidade é essencial para a vida em sociedade, mas também é importante desenvolver ferramentas orais, visual ou até virtuais.
Situações de apresentação do tema para a turma ou mesmo para outras turmas potencialmente desenvolvem a retórica e a oratória, cabendo ao professor, no processo avaliativo, analisar a estrutura do discurso, a postura e as expressões além dos conceitos históricos próprios da apresentação.
Representações artísticas também são válidas no sentido de perceber como o estudante representa este ou aquele conceito trabalhado em sala e como ele representa algum dos conteúdos específicos pesquisados.
Debates são ferramentas interessantes pois os estudantes tem tendência a serem competitivos e, ainda como tendência, buscariam mais e mais elementos narrativos para o debate afim de ganhar a discussão o que, durante o processo, garantiria uma aprendizagem ainda mais profunda.
Outro exemplo a ser apontado, são as produções midiáticas. Generalizadas devido à pandemia e ao ensino remoto, as ferramentas multimídia se popularizaram e se tornaram presentes em nosso cotidiano, portanto, seu uso é não só necessário, mas produtivo e interessante. A depender do nível de cultura histórica dos estudantes, eles podem produzir vídeos, entrevistas, tutoriais, até desenvolver projetos maiores como rádio-escola, podcasts, ou canais do youtube.
Uma atividade que seria interessante para concluir a sequência que tem como foco a participação popular compara a possibilidade técnica de ação direta no período constituinte com as ilimitadas possibilidades da década de 2020. Segundo Monclaire, as dificuldade técnicas e os custos por pouco impossibilitaram o Projeto Constituição, que recebeu mais de setenta mil contribuições do país todo:
Quinze milhões de formulários serão distribuídos por todo o País (proporcionalmente à população de cada municipalidade), em três fases: cinco milhões a partir de 19-2-86, cinco outros a partir de 19-5-86, e os cinco últimos a partir de 19-8-86 até o dia 5-1-87 (ou seja, quatro semanas antes da instalação da Constituinte. Cada formulário será impresso em duas cores e num papel de boa qualidade (este esforço de apresentação valorizaria o formulário e incitaria os brasileiros a lê-lo, ou então a preenchê-lo) [...]. Em suma, o custo total antes da indexação das sugestões atingia a cifra de NCz$ 4.110.000.000,00 (US$ 509,000.00) (MONCLAIRE, 1991, p. 34-35).
Este foi um projeto com custo previsto de meio milhão de dólares em 1986, ou seja, o custo da participação popular era astronômico e apesar da cifra de setenta mil contribuições ser notável, ainda é uma fração muito pequena dos milhões de formulários distribuídos. Em outro extremo desta possibilidade de participação, atualmente discutimos os limites da participação desenfreada via redes sociais que produz um volume assustador de notícias falsas que fazem parte do conjunto de elementos que ameaçam seriamente a nossa democracia.
Justamente por isso, acreditamos que essa ponderação sobre dificuldades técnicas e orçamentárias, junto da análise dos resultados do Projeto Constituição são interessantes no sentido de mobilizar os estudantes a refletir sobre as possibilidades de participação atual. Com os contatos institucionais de senadores, deputados federais e estaduais, disponíveis nas respectivas páginas oficias dos parlamentos e em diferentes redes sociais, ou mesmo com a possibilidade de um contato mais direto com lideranças municipais, vereadores ou o prefeito, é possível que os estudantes se mobilizem e encaminhem a algumas dessas autoridades uma ou mais demandas que eles, enquanto grupo, entenderem necessárias. Caso haja resposta, o que costuma acontecer, mesmo que por parte de assessores, o resultado da participação poderá ser percebido de forma real e significativa.
Uma última sugestão tem base em uma experiência que desenvolvemos, de maneira quase informal à época, mas que produziu resultados interessantes. Dentro de um projeto que envolvia todo a escola, as turmas eram organizadas para apresentarem encenações de recortes do tema selecionado em cada edição anual do projeto. Em uma das edições, o tema era a história política do Brasil e um dos grupos encenou o processo constituinte. A partir desta experiência e com base nos elementos teórico-metodológicos de nossa pesquisa, acreditamos que um processo constituinte simulado seria propício para uma realidade em que o professor entender que os estudantes desenvolveram ou podem ter desenvolvido ferramentas suficientes para colocar em prática os conhecimentos sobre cidadania, constituição e participação aprendidos durante o processo desta temática.
É possível inclusive, que se valendo de algum projeto maior, a turma em questão, junto do professor, desenvolva um projeto de aprendizagem que envolva todo a escola, por exemplo, para elaborar o regulamento de uma gincana. Um dos eventos mais tradicionais e disseminados que é desenvolvido pela APMF são as festas folclóricas (junina, da primavera, sertaneja, etc.). Em geral, há gincanas de arrecadação de produtos e prendas para serem sorteados/vendidos no dia do evento. É neste ponto que entra nossa proposta de atividade avaliativa para nossos estudantes. O professor e a turma podem organizar a eleição de uma Assembleia Constituinte do regulamento da gincana. Assim, todos os conceitos ligados à participação, cidadania, argumentação, narrativa, serão desenvolvidos e o regulamento, que terá caráter legal para a comunidade escolar, será produzido a partir de negociações e debates, vivência próxima à uma assembleia real.
Enfim, todos os apontamentos que apresentamos tem o objetivo de refletir sobre a prática avaliativa e refletir sobre formas de se analisar a pertinência e efetividade da produção do conhecimento pelos nossos estudantes. Reafirmamos que não são apontamentos prescritivos, mas sugestões reflexivas de trabalho contínuo e processual para a produção do conhecimento histórico dos estudantes. Na próxima sessão iremos apresentar as fontes específicas que selecionamos para nossa proposta e desenvolver, metodologicamente, possibilidades de trabalho com cada uma delas em sala de aula.